Passarela de pedestres em cima da avenida 23 de maio, é um bloco de concreto que os meus amigos tentam me convencer de que balança, as pontes todas moles, senão quebram. Vou atravessando na garoa gelada pensando que pedestre é muito parecido com cipreste, e tento pensar um trava-língua: os pedestres apedrejam os ciprestes, ou os pedestres nos ciprestes com os tigres tristes. Quando eu era pequena achava que tinha um órgão da prefeitura – a prefeitura era a autoridade máxima – responsável por pensar piadas e charadas, porque quando os civis tentavam criar parecia que faltava técnica.
No meio dos pedestres e dos meus ciprestes encontro de repente um anúncio molhado e rasgado, colado na mureta em três vias de folha de impressora – tentei escrever agora folha de "sulfite" mas o Word está dizendo em vermelho que "sulfite" não é palavra que se diga. “MOTIVO ESPECIAL - Procuro Josely (Jô)! Por favor! Me ajude! É muito importante! Costumava morar entre os bairros Jardim Luso e Jardim Miriam ou próximo ao Carrefour da Av. Cupecê.” Embaixo, dois números de telefone e um nome de homem.
Josely acordou um dia e feito uma cadela desembestou sem coleira pela fresta do portão e se acomodou em outro canto de São Paulo, deixando marido e criança doente. Talvez tenha perdido a memória e esteja começando tudo de novo na casa de uma senhora que precisava de uma mocinha para cozinhar.
Quem sabe Josely tenha um dia aberto a correspondência que não devia e saiu de mochila deixando a carta dramaticamente aberta sobre o travesseiro. Ou pode ser que Josely tenha viajado para Pernambuco e voado num tapete mágico com o homem dos sonhos e cinco anos depois ele aparece em São Paulo e não encontra em nenhum endereço a sua Josely, que tinha os cabelos até a cintura e usava um vestido florido, mas nesse frio deve estar com um casaco daqueles azul-cintilantes que estufam.
É muito importante, ele diz, e pode ser que tenha notícias sobre parentes distantes, ou quem sabe Josely foi embora com uma boneca de infância onde tinham escondido diamantes, ouro, ou drogas caríssimas, e ela a essa altura sem entender nada presa na rodoviária com a bonequinha em frangalhos. Deve ser que Josely tenha um filho em coma há vinte anos que acordou e pede a mãe em gestos de bebê.
Pode ser que o motivo especial seja apenas encontrar Josely, fazê-la sorrir entre as argolas dos brincos e o cachecol vermelho que ela quase esqueceu no trem naquele dia do jogo, dizer que não precisava ter sumido assim, esperar que ela desmanche o sorriso para fazer um bico de raiva, de uma raiva que já passou há muito tempo mas não a ponto de voltar ao Carrefour na avenida Cupecê e esperar por um buquê de flores. Muito especial a vontade desesperada de explicar qualquer coisa, de chorar no ouvido perfumado e espiar o livro colorido que ela carrega numa sacola molhada junto com o guarda chuva. Alisar o cabelo da Josely que ela deixa preso numa piranha que muda de cor com a luz do sol, e comentar que ela fica bonita de óculos – e então ela vai tirar depressa, e enfiar também na sacola molhada. Encontrar Josely tomando café com leite e bolo de cenoura num balcão, olhando para a televisão que mostra o trânsito matinal, e sentar como se ela fosse uma mulher qualquer, e não Josely. Esperar que ela olhe por acaso para o lado e engasgue, tussa, chore assustada e rindo gargalhadas aos soluços até se entregar num abraço apertado de jaquetas.
Desço da passarela e vejo as mulheres do ponto de ônibus. Não posso passar mais um dia sem encontrar Josely.
No meio dos pedestres e dos meus ciprestes encontro de repente um anúncio molhado e rasgado, colado na mureta em três vias de folha de impressora – tentei escrever agora folha de "sulfite" mas o Word está dizendo em vermelho que "sulfite" não é palavra que se diga. “MOTIVO ESPECIAL - Procuro Josely (Jô)! Por favor! Me ajude! É muito importante! Costumava morar entre os bairros Jardim Luso e Jardim Miriam ou próximo ao Carrefour da Av. Cupecê.” Embaixo, dois números de telefone e um nome de homem.
Josely acordou um dia e feito uma cadela desembestou sem coleira pela fresta do portão e se acomodou em outro canto de São Paulo, deixando marido e criança doente. Talvez tenha perdido a memória e esteja começando tudo de novo na casa de uma senhora que precisava de uma mocinha para cozinhar.
Quem sabe Josely tenha um dia aberto a correspondência que não devia e saiu de mochila deixando a carta dramaticamente aberta sobre o travesseiro. Ou pode ser que Josely tenha viajado para Pernambuco e voado num tapete mágico com o homem dos sonhos e cinco anos depois ele aparece em São Paulo e não encontra em nenhum endereço a sua Josely, que tinha os cabelos até a cintura e usava um vestido florido, mas nesse frio deve estar com um casaco daqueles azul-cintilantes que estufam.
É muito importante, ele diz, e pode ser que tenha notícias sobre parentes distantes, ou quem sabe Josely foi embora com uma boneca de infância onde tinham escondido diamantes, ouro, ou drogas caríssimas, e ela a essa altura sem entender nada presa na rodoviária com a bonequinha em frangalhos. Deve ser que Josely tenha um filho em coma há vinte anos que acordou e pede a mãe em gestos de bebê.
Pode ser que o motivo especial seja apenas encontrar Josely, fazê-la sorrir entre as argolas dos brincos e o cachecol vermelho que ela quase esqueceu no trem naquele dia do jogo, dizer que não precisava ter sumido assim, esperar que ela desmanche o sorriso para fazer um bico de raiva, de uma raiva que já passou há muito tempo mas não a ponto de voltar ao Carrefour na avenida Cupecê e esperar por um buquê de flores. Muito especial a vontade desesperada de explicar qualquer coisa, de chorar no ouvido perfumado e espiar o livro colorido que ela carrega numa sacola molhada junto com o guarda chuva. Alisar o cabelo da Josely que ela deixa preso numa piranha que muda de cor com a luz do sol, e comentar que ela fica bonita de óculos – e então ela vai tirar depressa, e enfiar também na sacola molhada. Encontrar Josely tomando café com leite e bolo de cenoura num balcão, olhando para a televisão que mostra o trânsito matinal, e sentar como se ela fosse uma mulher qualquer, e não Josely. Esperar que ela olhe por acaso para o lado e engasgue, tussa, chore assustada e rindo gargalhadas aos soluços até se entregar num abraço apertado de jaquetas.
Desço da passarela e vejo as mulheres do ponto de ônibus. Não posso passar mais um dia sem encontrar Josely.
4 comentários:
amor, essa estória ficou uma delícia, mas está meio difícil de entender.. talvez se você marcasse um pouco melhor as digressões do começo (não entendi direito a parte da passarela que balança...)
tentei arrumar. Mas você faz parte do conceito de homens que dizem que as passarelas balançam!
oi, valeu pela visita e pelo comentário!
gosto muito daqui, mas geralmente espio e fico em silêncio. suas palavras tocam.
hoje só que li o texto. fantástico. verdade.
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