segunda-feira, 15 de março de 2010

chez nous

A porta
O sofá bordô
O incenso de gengibre e canela
O tapete de fuxico pisado
A escuridão avermelhada das lampadazinhas
O abstrato do quadro
A janela esvoaçante de cortinas
Gigante
O silêncio suspenso sobre o ruído total
A noite, o sábado
O telefone
...O silêncio...
O negrume do espelho
A mesa mogno
O vinho com pedaços de frutas
O livro
A cadeira
O pé pendente
Unhas branco renda
O cachorro
O rabo.
A moça sozinha
-- A solidão doída desses sábados --
Mas o cachorro
Língua
rabo
espreguiçadas de contentamento
barriguinha no pé pendente
e a plenitude.

quinta-feira, 4 de março de 2010

minhas horas



Minhas horas uma cachoeira portentosa nos meus ombros, véu de noiva desvairada erodindo os meus barrancos
Minhas horas me levando a pele me afrouxando as ancas e vergando os ossos
Minhas horas tão meninas que não me escutam
Tão lindas que já nem minhas
minhas horas me girando confusa: eu um turbilhão de potencial inaplicável
minhas horas sumindo na vingança brutal dos sonhos traídos

comprar mais horas, instalá-las bem no fim do dia
horas em claro
horas a fio
as horas
nuas

o Chapeleiro Maluco já disse que é preciso ser amigo do tempo
e ele obedece
ele respeita
quero guardar as horas numa piscina quente e boiar tranqüila
contê-las num balão bem lento
com toda a minha gente dentro
costurá-las num vestido roxo-ocasiões-especiais
-- nada dessas horas danadas me mordiscando os pés enquanto derreto no ônibus ou passo o fio dental –
Preservá-las em 200 caixinhas de música
Pandoras preciosas do meu tempo
Que a cada espiadela me enchem de vida
Mas deixam espalhar qualquer coisa assombrosa
Qualquer coisa vazia
Até que eu corra pelo quarto abrindo todas
-- vazio –
Bailarinas girando
--minhas horas –
e de repente uma caixinha vai ter só um velho espelhinho escurecido.
Meu olho esquerdo ao fundo e uma última e solitária hora que me escapa.