domingo, 19 de fevereiro de 2012

O que foi que te aconteceu



E não tem como não me perguntar o que será que está errado quando minha cachorra, minha cachorrinha vira-lata tão-pequena-tão-simpática está inacreditavelmente agressiva, seja no portão seja na rua, o desespero de morder todos os cães pelo pescoço e rasgar, gritar, matar. Também talvez seja de se perguntar o que é que está acontecendo quando a outra vira-lata tão-contente-tão-feliz dá mostras evidentes de estar em depressão.
É preciso que muita coisa esteja errada para que uma não tolere a existência de qualquer semelhante e a outra esteja irremediavelmente ensimesmada na caminha rasgada que há dias cospe suas espumas pelo quarto.  Eu que já não sei o que fazer, que já passei da vergonha ao desgosto, depois à esperança e agora a essa infrutífera culpa, deixo as duas sozinhas nessa intangível crise existencial canina e festejo a solidão do carnaval.
E a solidão do carnaval não é como a de qualquer noite solitária, é a solidão mais plena, de quem ficou quando todo o mundo teve vontade de ir, de quem dói cada hora avançada da noite e já não sabe se é pior a madrugada se esticando lenta e insone ou se é a manhã já despertando no golpe infalível da lembrança estagnada. É a solidão das rodas em cirandas, saltos, confetes, jardineiras tristes – mas o que foi que te aconteceu? --, a solidão dos olhares furtivos que não compreendem sequer minha presença na dança.
Mas a pior solidão, a solidão mais plena, esmagadora, fica quando você vai embora. Fica como num palhaço, num mágico, completamente sozinho quando baixa a cortina, ainda ao som da platéia anônima, sentindo que o espetáculo não tem sentido nem verdade nenhuma, nem pra ele, nem pra ninguém.
E acordo já pensando nisso, com uma cadela latindo furiosa no portão, e a outra me olhando por cima do focinho inerte, sem nenhuma vontade de acordar, nem de viver mais esse dia.