quinta-feira, 17 de junho de 2010

O Mundo das Coisas que Caem



este texto foi escrito há aproximadamente 7 anos, no primeiro colegial, quando tinha uns quinze anos -- veio depois de uma daquelas falas inesquecíveis da mila. Eu me lembrei dele hoje porque nesse momento me vem muito a calhar.
Hoje eu sonhei que morri, e o céu era um restaurante baixo-astral cheio de adultos desconhecidos, e teria de passar muitos e muitos anos sozinha ali até que meus amigos começassem a morrer para que eu pudesse reencontrá-los. enquanto isso, eles ficariam lá na Terra, todos juntos, vivendo sem mim.
O munda das coisas que Caem
Uma saudade estranha, esta. Não sei bem se vem de dentro ou se grita por trás. Parece até que chama lá na frente, saudade das coisas que não virão mais.
Na verdade, vai me cutucando por todos os lados e eu nunca vou saber dizer bem onde é que dói. Saudade do que não consegui, das pequenas chances que eu perdi, das oportunidades que nem tive. Como se todas aquelas pequenas coisas que caíram ao chão e nunca foram encontradas estivessem agora fazendo falta. Todos os milhares de tampinhas de pasta de dente que sumiram instantaneamente ao tocar o azulejo do piso, todos os comprimidos devorados pelo chão debaixo da pia da cozinha. Os bomboms, salgadinhos, brincos, pingentes, clipes, lentes de contato. Tudo que sumiu aos poucos e agora dá saudade...
Uma aMila minha, que sempre dá saudade porque eu quero mais e mais, disse bem que as coisas que caem vão para o Mundo Paralelo das Coisas que Caem. Eu vou lembrando o rosto íntimo dizendo esse absurdo e vou rindo gostoso, uma risada profunda, vai chacoalhando tudo por dentro, e a gargalhada alta já até molhou os olhos e eu percebo que rio mesmo é de desespero. Porque apalpo as dobras do sofá, e rastejo forçando a vista pelo chão, e procuro embaixo do tapete e até já sinto o joelho cansar de ajoelhar. Procuro e procuro e não acho as coisas que não voltam mais.
E quando eu vejo já perdi a aliança, o terço e os ponteiros; os amigos, as festas e os músculos. Um mundo paralelo. A saudade me chama é de lá.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

A minha indiferença



O meu desprezo tem a força do meu amor, potência violenta e escaldante desses vulcões de mim. O mesmo vigor e a mesma energia, não adianta fugir que o meu desprezo tem a mesma valentia, o mesmo esforço. A mesma violação. Meu desprezo me imuniza das lembranças, dos tons pastéis, das aquarelas. Meu desprezo me imaniza e atrai o ferro do mundo, metal em brasa me empedernindo os seios, os olhos, o abraço.
Meu desprezo faz o mesmo estrago que todo o meu amor, traz o mesmo espanto. Meu desprezo mantém o mesmo e sempre vivo desconforto. Segue assim lacerante e destemperado, e diligente me protege das minhas tantas maleabilidades.
Segue assim até ofuscar o objeto, encobrir de cinza e rocha o que um dia teve algo de bonito. Até que reine a paz desconfiada, o silêncio e o descaso de uma qualquer indiferença.
E a única indiferença possível, essa que eu espero sem perceber que não virá enquanto não me esquecer de esperar, é na verdade o embate fatal entre o meu amor e o meu desprezo, esses titãs implacáveis de mim. E, no instante em que ela chegar, o objeto do duelo – objeto que é – já será gigante e infinito.
A única indiferença possível virá quando você estiver tão imenso que encobrirá no seu negrume tudo o que possa haver em mim, num eclipse maldito.