quinta-feira, 8 de agosto de 2013

Os casais nas mesas




A cada três minutos o telefone toca em todas as salas e eu me pergunto se alguém de fato atende. A funcionária disse pra ficar tranquila que não é pra eu atender, mas quem é que fica tranquilo com uma coisa dessas.
Os casais nas mesas ao lado -- mesas da repartição, não são mesas de bar, café ou restaurante -- discutem os detalhes do divórcio. A criança Joyce-Silva-de-Souza se distrai com o grampeador e o senhor Jose-Olímpio-Souza diz para a ex-mulher que ele não tem dinheiro para a pensão da menina. Nem nunca terá, Joyce não precisa de muita coisa.
Preencho o formulário e penso como as coisas deviam ser quando fizeram a Joyce-Silva-de-Souza, e tenho raiva porque as pessoas transam todas iguais, mas às vezes tenho raiva porque na verdade fazem todas muito diferente. Cansei de estranhar as pessoas, e também de estranhar esse lugar.
O telefone de novo bem alto e na mesa ao lado o homem diz que a culpa é dela que sempre mentia e eu quero dizer que não interessa de quem é a culpa porque a culpa é dos dois que estão aqui atrasando o almoço de todo o mundo, Lindinha, devolve esse grampeador pra mim, por favor!
Os casais nas mesas ao lado -- e dessa vez são sim mesas de restaurante -- discutem os detalhes do divórcio embora talvez não percebam que é isso que estão fazendo, as mulheres se distraindo com o guardanapo. Eu me preocupo com a saúde das pessoas porque quero que vivam até os 90 anos pra ficarem mais tempo comigo mas elas não sabem nem se querem ficar comigo até o mês que vem. A maioria não quer.
Joyce ainda se distrai com o grampeador enquanto distribuo seus finais de semana e sua mãe talvez se distraia pensando que se sentirá sozinha.
Os vovôs e as vovós são quase todos juntos e nunca discutiram o divórcio, os vovôs desde meninos aprenderam a enganar as vovós, e as avós a torcer e esperar pelo encanto e bênção de não serem enganadas e agora que a gente aprendeu a não esperar e aprendeu também a discutir os detalhes do divórcio, agora quem será que a gente vai enganar? O telefone mais uma vez e não acho o carimbo no meio desses papéis, MENINA me dá AGORA esse grampeador!
Se todas as manhãs nas mesas dessa repartição há tantos casais discutindo os detalhes do divórcio e da pensão feito uma igreja maldita a separar até que a morte una, a apaziguar o que Deus juntou nesse sacrossanto descuido milenar, do que é que gente vai falar nas mesas dos restaurantes, quem é, meu Deus, que a gente vai enganar?
Os telefones não param de tocar em todas as mesas, e não é da repartição, são as mesas dos restaurantes, enquanto os casais discutem os detalhes do divórcio sem perceber que é isso que estão fazendo, e a criança de vestido florido não quis terminar o frango e está se distraindo com a faca.  




(personagens, repartição e pessimismo totalmente fictícios)