Achei por acaso quando imprimia um trabalho no computador do meu pai. Escrevi para uma proposta do colégio -- descreva um personagem -- no segundo colegial.
"Lucas
Falta graça no andar jurássico, chocalhando os membros num desengonço, e quando tenta fazê-lo imponente ganha ares de palhaço. São assim os bons homens. Palhaços. Não que sejam engraçados com piadas, mas ao fazerem rir só pela própria existência, ridículos no literal da palavra. O nome é Lucas, mas aos amigos é Lulu – diz que nem são amigos. Não é feio, o moço, mas é de feio que se faz quando anda curvo pela rua a fugir dos olhares, e com toda a beleza que leva por dentro vai catando as latas e pacotes e papéis que vão pelo caminho a sujar a cidade. Lulu cuida bem de São Paulo. Cuida não só do lixo, mas ao dizer bom-dia. Ninguém diz bom-dia por aqui.
Senta na escada do colégio e tem sempre as mil manias de um lunático. A mais freqüente é a de comer a barra do agasalho. Depois que a boca cansa de mastigar o pano escuro, larga o casaco babado e parte para os polegares. Os dois já têm calos das mordidas. São três bolas duras e amarelas em cada dedo, doloridas. É aí que pega mais o nome “Lulu”, quando parece um bebê a chupar os dedos, os dois ao mesmo tempo. Aprendeu a nem ouvir as zombarias. Depois a brincadeira é com o cadarço do tênis, voltas e mais voltas em torno da canela fina de pêlos esparsos, para depois desenrolar e recomeçar as voltas. É assim até a mãe chegar.
Arruma a lisura dos cabelos no espelho do carro, como se algum fio ousasse sair do lugar, fugindo da fúria dos litros de gel. A mãe vai perguntando da escola, por que estava sozinho, por que tanto gel, cadê o agasalho, coisas de mãe. É só aí que Lucas fica nervoso. Aceita tudo, mas não aceita o fato de a mãe não aceitar. Por que esse apelido ridículo, filho? Como você deixa?
É em casa que Lucas esquece o “Lulu”, a mãe, a falta que os outros fazem. Tem papel e caneta. Não precisa de mais nada. Com um polegar descansando na boca, vive a vida de que mais gosta. Lucas é pai de homens fortes, viris, de borboletas agonizantes, princesas, barões, ladrões e até de estrelas. É pai de um romantismo excêntrico que prefere dar os espinhos em vez das rosas. E vai criando o próprio mundo e quando larga o lápis sente o peso do ar que respirara o tempo todo sem nem perceber.
A menina quieta é a personagem mais amada. Lucas trabalha nela como se a tivesse num abraço. Descreve os cachos longos como se os sentisse nas mãos, em lugar do lápis. Fala do cheiro de pêssego nos cabelos dela. Enquanto ele escreve, a menina joga ao seu mestre olhares apaixonados, deixando-se subjugar. Quando Lucas quer, ela sorri, ou chora, ou até dança. Ele põe na moça os mais lindos vestidos – podia tirá-los, mas não ousa. A menina quieta percebeu em Lucas o que ninguém jamais comprovará: os cabelos bons de afagar e o colo quente, que lhe serve de ninho em todas as noites pretas."
Falta graça no andar jurássico, chocalhando os membros num desengonço, e quando tenta fazê-lo imponente ganha ares de palhaço. São assim os bons homens. Palhaços. Não que sejam engraçados com piadas, mas ao fazerem rir só pela própria existência, ridículos no literal da palavra. O nome é Lucas, mas aos amigos é Lulu – diz que nem são amigos. Não é feio, o moço, mas é de feio que se faz quando anda curvo pela rua a fugir dos olhares, e com toda a beleza que leva por dentro vai catando as latas e pacotes e papéis que vão pelo caminho a sujar a cidade. Lulu cuida bem de São Paulo. Cuida não só do lixo, mas ao dizer bom-dia. Ninguém diz bom-dia por aqui.
Senta na escada do colégio e tem sempre as mil manias de um lunático. A mais freqüente é a de comer a barra do agasalho. Depois que a boca cansa de mastigar o pano escuro, larga o casaco babado e parte para os polegares. Os dois já têm calos das mordidas. São três bolas duras e amarelas em cada dedo, doloridas. É aí que pega mais o nome “Lulu”, quando parece um bebê a chupar os dedos, os dois ao mesmo tempo. Aprendeu a nem ouvir as zombarias. Depois a brincadeira é com o cadarço do tênis, voltas e mais voltas em torno da canela fina de pêlos esparsos, para depois desenrolar e recomeçar as voltas. É assim até a mãe chegar.
Arruma a lisura dos cabelos no espelho do carro, como se algum fio ousasse sair do lugar, fugindo da fúria dos litros de gel. A mãe vai perguntando da escola, por que estava sozinho, por que tanto gel, cadê o agasalho, coisas de mãe. É só aí que Lucas fica nervoso. Aceita tudo, mas não aceita o fato de a mãe não aceitar. Por que esse apelido ridículo, filho? Como você deixa?
É em casa que Lucas esquece o “Lulu”, a mãe, a falta que os outros fazem. Tem papel e caneta. Não precisa de mais nada. Com um polegar descansando na boca, vive a vida de que mais gosta. Lucas é pai de homens fortes, viris, de borboletas agonizantes, princesas, barões, ladrões e até de estrelas. É pai de um romantismo excêntrico que prefere dar os espinhos em vez das rosas. E vai criando o próprio mundo e quando larga o lápis sente o peso do ar que respirara o tempo todo sem nem perceber.
A menina quieta é a personagem mais amada. Lucas trabalha nela como se a tivesse num abraço. Descreve os cachos longos como se os sentisse nas mãos, em lugar do lápis. Fala do cheiro de pêssego nos cabelos dela. Enquanto ele escreve, a menina joga ao seu mestre olhares apaixonados, deixando-se subjugar. Quando Lucas quer, ela sorri, ou chora, ou até dança. Ele põe na moça os mais lindos vestidos – podia tirá-los, mas não ousa. A menina quieta percebeu em Lucas o que ninguém jamais comprovará: os cabelos bons de afagar e o colo quente, que lhe serve de ninho em todas as noites pretas."
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