sábado, 16 de março de 2013

A Crise




Papéis antigos, livros acumulados, anotações, gavetas despertam uma forte e irrefreável crise, mas não é qualquer crise, é uma crise alérgica. E não são quaisquer papéis ou gavetas, são aqueles em que você não mexe há anos justamente porque estavam muito bem onde estavam e porque talvez revolvê-los despertasse a pior das crises, que é precisamente a alérgica.

Ontem enquanto eu separava quais mereciam o lixo – e depois não consegui jogar nenhum --, quais mereciam uma pasta, e quais mereciam simplesmente ir comigo para o caso de um dia precisar, ela me atacou do mais profundo recôndito dos infernos, onde fica à espreita ao menor sinal de alguém revolvendo o pó das lembranças.

A crise alérgica vem quando você resolve mexer no que ficou empilhado em outro tempo, como se os restos do que já não vive se espalhassem pelo ar ao mínimo toque. E não basta abrir as janelas, lavar os olhos, fugir do ambiente, quando ela vem é porque os papéis, registros, bilhetes já entraram irremediavelmente fundo nos olhos, narinas, há qualquer coisa seca presa entre os cílios, uma ardência a repelir o que não deveria ter sido revisto.

E então por mais que você se livre logo de tudo sem nem olhar direito – e é isso que a Alergia queria – e corra pra casa sabendo que nunca mais vai olhar pra nada disso, continua uma dor forte no peito, que escapa em espasmos, espirros violentos, escoa, enfraquece, e os olhos pequenos num sono fora de hora, porque tudo que a crise alérgica quer é que você durma e desista de pensar, revolver, dispensar. Que você não perceba que tudo que era o seu dia-a-dia foi virando história, passado, e poeira.

A crise alérgica vem quando você se põe a enfiar o nariz onde não deve. Ela vem para afastar o olhar de tudo o que ficou guardado e agora vai doer. Vem pra proteger a alma contra aquilo que nem o corpo aguenta.

Um comentário:

Giseli Seeger disse...

Mariana, descobri teu blog há pouco e já é um grande prazer te ler. Escreves de uma forma bastante simples e capaz de envolver. Abraços.