Duas mãos de tinta cor de berinjela na parede da direita, atrás
do sofá amarelo e florido. Quadros, muitos quadros – na verdade pôsteres de
filmes –, abajures estratégicos, e a mesa perfeita para o jantar em exatamente
cinco amigos, ou oito se ocuparem o sofá.
No quarto a cama grande com os lençóis macios, a uns dois ou
três metros da cama do cachorro, que cresceu ali desejando somente o que
desejam os cachorros e os amantes: que absolutamente nada mude. E a pergunta é
quem foi que deixou o amor sair?
Logo aquele amor que diante da porta sempre escancarada a
todo tempo sorriu e ficou, ficou como se não houvesse sentido em ir a lugar algum
quando se mora justamente na casa do amor. Logo aquele amor que podia ir aonde
quer que fosse e só ficava porque ali era o melhor lugar para ficar.
Quem foi que deixou o amor sair quando estava estampado nos
olhos tímidos de culpa e inquietude que ele saía para nunca mais ser o mesmo.
Talvez ainda segurando a maçaneta ele tenha se voltado para trás e olhado uma
última vez para os dois sentados no sofá alisando o cachorro e quem sabe tenha
até mesmo dito que só ia comprar cigarros e já voltava, mas a voz saiu de tal
forma que os dois naquela hora já sabiam, e alisavam o cachorro mais forte, e
mais rápido, pensando que podiam fazer alguma coisa pra que ele não partisse – qualquer
coisa, nem que fosse trancar aquela porta sempre tão docemente aberta –, mas
esperando também que no lugar dele outro amor mais convicto viria.
E o amor fechou bem devagar a porta atrás de si, quase sem
ruído, quase sem doer, e antes disso ao invés de apagar a luz ele a acendeu,
deixou brilhando uma luz insuportável e feia, que esmiuçava os detalhes das
peles ao amanhecer, que fazia suar, que encardia o roxo
da parede e mostrava que nenhum dos pôsteres de filmes significava qualquer coisa pra eles. Saiu e deixou os dois ali como que
sem saber onde ficava o interruptor, sem acertar o abraço, a conversa, o sono, sem
saber nem mesmo alisar o cachorro – o cachorro que, só ele, não entendia.
Talvez a pergunta não seja nem quem foi que deixou o amor
sair, mas sim quem foi que impediu que ele entrasse de volta quando ele bateu à
porta, sem muita certeza, sem muita saudade, mas disposto a
ficar, a tentar, a ocupar de novo os espaços e harmonizar as luzes. Ele batia
à porta quem sabe ansioso principalmente pela alegria do cachorro que talvez ainda
esperasse a retomada do espetáculo crônico da felicidade.
E ele bateu, e os dois se olharam, sem dizer nada – o cachorro
latia sem parar diante da porta --, mas eles não abriram, talvez por medo de
olhar na cara daquele amor andarilho, que por tanto tempo sumira assim, e que
voltava não se sabe com que mãos, com que olhos, com que anseios, o amor que
talvez fosse, ele próprio, um estranho ali. Ouviram os passos distanciando no
jardim, e finalmente souberam que a casa – que já não era do amor – não era a
casa de ninguém.
Agora, sem nunca mais receber notícias daquele amor, eles
descobriram que os móveis simplesmente não cabem em casa nenhuma. Por qualquer
razão que dói mais que a luz indecente que ele deixou ardendo contra os olhos deles, é
preciso mudar completamente tudo, cada centímetro da tão preciosa bagagem,
porque não há um novo amor no mundo cujo lar contemple o que se era e o que se
poderia ser.
E já nem o cachorro espera.
Um comentário:
Mariana eu sei bem como você se sente é uma dor tão íntima,tão nossa que nem mesmo a melhor amiga ou mãe ou uma nova pessoa pode arrancar isso da gente,é como se não tivessemos pernas pra fugir dessa dor nem braços pra arranca las do peito,mas não adianta se fazer de vitima,chorar nem se apegar a frustração,tem que ter pespicácia pra perceber que objetivos mudam ao longo de uma vida que é essencialmente dinâmica,não fique presa a o 'que não foi' você pode ta perdendo tempo pra alcançar os proximos.
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