terça-feira, 17 de novembro de 2009

Uma noite comigo



Fico comigo que eu me saio melhor a mim! ah tanto tempo perdido com os outros. Esta noite tenho um encontro comigo no quentinho do meu quarto avermelhado, depois de um banho comprido porque eu gosto de gente limpa – só de mim tenho certeza da higiene, vá lá saber dos recônditos suarentos dos outros.
Hoje me encontro comigo que tenho mais a dizer a mim do que você pode formular em mil jantares prolixos. Eu não tenho a letargia do álcool nas minhas idéias hiperativas, tu-não-te-moves-de-ti mas eu tenho um espaço larguíssimo pra flutuar em mim, música alta que quero dançar comigo, os passos certeiros na harmonia perfeita.
Fui feita para mim e é comigo que vou me entender. Eu sei exatamente onde e quando a minha mão por dentro do vestido, sei do meu tempo. E quando não estou para o assunto minha mão não questiona e já se dedica a outros afazeres menos mundanos, eu comigo posso mudar de conversa, trocar de livro – nos encontros comigo posso abrir livros sem que me censurem, sou absolutamente compreensiva com essa falta de etiqueta.
Esta noite vou conversar comigo sobre essa dor nos ombros, posso conversar deitada. Eu sei de mim as estrias novas do peito direito e estou perfeitamente consciente de quando devo e quando não devo me ver nua, apago as luzes. Neste encontro quero falar sobre esse meu cabelinho da testa que implicou em crespar, sobre o medo terrível que eu tenho de deixar de viver. Vou olhar nos meus olhos e não precisarei confessar que não paro um minuto de imaginar que a minha vida vai acabar de repente antes que eu chegue à mesa de docinhos, antes que eu dê o meu maior grito, antes que eu tire a minha roupa até sair a pele, antes que me vejam assim, exposta. É bom ficar comigo porque uma pessoa que sabe dessa angústia jamais me espremeria o tempo com vicissitudes diárias e desejozinhos banais.
Neste encontro posso falar o tempo que quero, calar sem explicação – porque é impressionante a comunicação tácita que tenho comigo. Posso fazer desenhos na minha barriga enquanto me pergunto por que razão insisto em querer estar com outros se comigo o momento é tão profundo, eu que entendo do meu sexo, da minha fome, das minha dores nas costas. Eu que posso conversar comigo durante incansáveis horas, descobrir de mim segredos cômicos, rir sincera desse meu senso de humor. Logo eu que sou capaz de subir na cama e mostrar a língua pro espelho e depois perguntar se eu não posso ficar mais um pouquinho comigo.
Hoje você pode atirar o seu tempo nas mãos de quem você quiser, já falei que tenho um encontro comigo. E no final das contas você pode correr para os braços dos outros que tu-não-te-moves-de-ti, sabe-se lá se chega a mover-te de mim. Pode lutar para sincronizar os diálogos tão disparatados, as máscaras azedinhas dos vínculos sociais, pode ir que eu fico aqui comigo que eu sei chorar comigo quando tenho vontade. Sei o jeito certo de se aproximar de mim, olhinhos fechados na concentração da imagem.
Pode ir que fico a noite inteira comigo, porque a única coisa que não sei fazer comigo é dormir. Pra isso ficamos aqui, juntas, esperando você voltar.

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