quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Mirtáceas cor-de-rosa



--Não sei, não, Ana, talvez fosse melhor o preto.
--Não, menina, nesses lugares vai todo o mundo de preto, fica uma maçaroca de gente igual, vai com este aqui mesmo, comprou pra isso!
Mirta acaricia o vestido com as mãos e joga na cama. Belisca as pernas reclamando do espelho, uma noite linda dessas e as mulheres inchando assim, homem é que devia inchar, explodir de hormônio. A calcinha aperta de leve os lados mas a amiga diz que está tudo em ordem, é preciso ir logo com isso. O rímel ágil em piscadelas entre as obscuridades do espelho mofado, a chapinha esquentando na escrivaninha.
--Mania de se maquiar pelada. Depois mancha o vestido.
--Um calor, Aninha, assopre!
Mirta estica o vestido na pele úmida e confere as costas num torcer desconfiado de lábios, o batom acumulando nos cantos.
--Está linda. Uma flor.
--Não está marcando?
--Marca o que tem de marcar. Uma flor bem rosa, as mirtáceas são cor-de-rosa?
Mirta aperta a franja na chapinha e assopra o próprio colo.
--Um calor, virgem santíssima! Já pode abrir a janela.
--Olha só, a goiabeira é uma mirtácea.
--A hora, aninha, desliga o computador! E eu agora sou a goiaba da festa.
--A romã também é.
--Romã fica mais charmosinho.
Mirta encaixa com dificuldade o fecho da sandália e rebola diante do espelho. Saltos de alegria súbita que ela contém num muxoxo.
--Será que ele vai gostar?
--Vai ficar de boca aberta, sempre te vê tão sem jeito com essa cara de dia-a-dia. Coloca uma fivela aqui, desse lado, pra enfeitar o cabelo.
--Não, falta o colar ainda. Olha só, já vou perder a primeira aula.
--Você devia faltar, como é que vai de lá até a festa sozinha com esse vestido.
--Ele vai me buscar na faculdade, Aninha! Disse até que vai levar um capacete rosa.
Mirta espirra um perfume azulado atrás da orelha e entre os seios e espera o positivo enfático da amiga.
--Linda! Vamos!
--E se ele não vier, Ana, ele pode não vir. Todo esse tempo aqui...
--Aí a gente fica na faculdade, bebe um pouco com o pessoal, alguém vai te achar lindíssima e você vai triunfante pra outra festa.
Mirta brinca com as pulseiras num desânimo distraído. De repente apaga a luz e sai desfilando nos paralelepípedos, a mão da amiga equilibrando o salto.
Mas a faculdade não acha bonito. Brincadeiras, assobios. Mirta busca o apoio nos olhos da amiga e não sabe se o coro a corteja ou insulta. Rebola para entrar no jogo, depois puxa a saia até esticar o pano sobre as coxas que ardem nos olhos de inquisição.
E foge da fúria azeda e calorenta da massa. O rosa murchando seco entre eucaliptos gigantes.

2 comentários:

Luiza Ferreira disse...

Nossa, que sensibilidade! A linguagem cria uma proximidade tão simples, e ao mesmo tempo tão inesperada que emociona. Mais pelos detalhes do que pelo desfecho. Achei sua peça de ficção muito mais interessante do que qualquer realidade estampada nos jornais desses últimos meses.

Luiza Ferreira disse...

Sou sim a amiga da Camila, da Sanfran! Fiquei sabendo que vc tinha um blog, e sempre gostei dos seus textos no jornal da faculdade. Aí resolvi deixar um comentário! Que bom que vc gostou, haha. Um beijo!