Os meninos do farol da entrada de
São Miguel Paulista têm de saber o tempo preciso de cada conversa, o clímax no
encaixe perfeito entre sinais vermelhos, senão no meio da história os amigos em
disparada entre os carros, e o orador a administrar solitário a evasão da
plateia sob o sol de um milhão de graus, depois a disfarçar a pequena
humilhação crônica no resgate de um assunto que morreu pisoteado no asfalto com
as balinhas de framboesa.
É preciso voltar para casa com no
máximo cinco saquinhos não vendidos e dois gestos suspensos em histórias mal
calculadas, os braços no ar bem no meio do melhor relato, todos correndo como
se a conversa não tivesse a menor importância, justo agora que tem também uma
menina, uma moça, que talvez ainda sustente um pouco mais o olhar no
interrompido da vez, e vá correndo quase de costas com as balinhas, só até o
colega dispensar a gentileza e correr também, nenhuma história merece tanto
prestígio.
Esses meninos do farol da entrada
de São Miguel Paulista talvez tenham raiva porque até apurarem esse tino narrativo
são calados tantas vezes nas suas teatralidades, uma vida de hiatos. É capaz
que tenham raiva porque já não são meninos, tão rapazes, e ainda meninos,
sempre meninos.
Ou talvez tenham raiva porque
aquele não é um farol da entrada de São Miguel Paulista, é a entrada pra quem
vem do centro da cidade, pra quem vem de mais perto daquilo que é o perto, mas para
eles é a saída, a borda, a beira de uma ilha cercada de córregos e avenidas
muralhadas terrenos campinhos de futebol, uma ilha de santos paulistas cheia de
assuntos mas também cheia de farol e é preciso calcular o tempo, calcular as
vendas, e a menina é nova aqui e também não é mais menina, nem arrisca
conversa, ainda testando os ciclos do farol da borda de São Miguel Paulista, agora
sob uma chuva fina, o marulho dos carros na água do asfalto, à beira de casa, o
farol de um mar que engole em ondas programadas as conversas dos seus
banhistas.
Os meninos do farol da orla de
São Miguel Paulista também têm uma lista de coisas rápidas a dizer antes da próxima
onda, e ainda assim às vezes um vidro abaixa e uma pergunta fora do roteiro e
uma resposta animada que quer continuar mas o farol muda e a água leva o carro
numa curta buzina carinhosamente paulistana e os meninos sorriem, porque não
tem importância, há outras histórias, outros ouvintes, a menina já ensaia uma
palestra aos meninos, quarenta segundos de atenção, o tempo perfeito, em uma
semana ela já sabe o que cabe e o que não cabe no tempo do farol, o tempo entre
as ondas de São Miguel Paulista.
3 comentários:
Divina, permanentemente perfeita. Acompanho tua obra, desde 2009, com a admiração de um menino. Carregas a melancolia mais bonita e o dizer mais fundo da literatura brasileira.
Ola! Nossa, muito obrigada! :-D
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