Já todas as luzes no escuro e as portas fechadas e o barulho hesitante
do teclado do meu computador na única sala acesa dentre tantos corredores. O vazio,
as sombras, as reminiscências das tantas gentes que passaram durante o dia, os
choros, abraços, o tilintar das algemas, chinelos, crianças: tudo no silêncio
jurídico da meia noite dentro do fórum criminal.
E é nesse lugar, nessa noite lenta, que ela sai das suas trevas no
jardim central – esse impossível antro de vida selvagem na estufa de ar condicionado
e sol fosforescente em mil lustres de licitação – para uivar o lamento agudo de
mais um cio solitário. É aqui que ela chora o seu cio bandido, clandestino, seu cio de ferro.
A gata sozinha entre moitas quase sintéticas e passarelas negras por
onde já não vê doutores, senhores, louvores, nem mesmo já não vê desgraças, só
a sua fúria uterina a lhe contorcer os ovários, a pulsar no ventre esse fruto
que não vinga, esse despontar de fertilidade desaproveitada. A gata malhada a
gritar, a espalhar pelo eco a sua força, a sua dor de ausência, a embaralhar
entre as letras do meu computador o chamado doído do seu desejo. Uma pausa
minha a cada frase, o meu grito calado em respeito a esse miado louco
desatendido porque não há animal que alcance a fêmea nessa impenetrável
clausura.
Nesse lugar cheio de prisão vem ela escancarar sua escravidão maior, sua ânsia insaciável dentro desse grande bloco de concreto. A gata no seu lamento cada vez mais alto, insuportável desespero que nenhum afago abranda, nenhum copo de leite.
A cada berro fica em mim a certeza de uma energia linda, fulgurosa, única, que ela dissipa em
tremores de um cio desencantado de cárcere e solidão. Apago a última
luz e deixo a gata sozinha com o eco insistente de todo o seu amor.
Lá fora uma súbita lua dourada num calor de inferno, que me segue até o
carro, até a casa, até a cama.
2 comentários:
maravilhoso!
Chega a doer, de tão lindo e honesto. Beijo. Mari.
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