terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Vocês que nunca chegaram a me amar



Vocês, vocês todos, que nunca chegaram a me amar, um minuto de silêncio por cada ano da minha vida que eu gastei gritando, girando, dançando, vazando por toda a casa, escorrendo pelos caminhos viciados até os mesmos endereços, o tempo rasgado de ansiedade na espera pelo ônibus que não passava, querendo chegar depressa aonde eu era apenas conveniente, agradável, talvez valiosa, mas nunca tão ansiada, aguardada, nunca amada, vocês que nunca conseguiram me amar, eu espero que vocês me perdoem.
Espero que perdoem que eu tenha sido tão difícil de largar, que eu tenha compensado em dedicação e tolerância tudo o que não produzia em paixão, que eu tenha feito tão numerosas as manhãs em que vocês acordaram sem vontade nenhuma de me ligar, e tantas as tardes em que acabaram me ligando simplesmente porque eu não liguei, e tantas as noites em que dormiram comigo se perguntando o que será que faltava se eu sempre trazia tanto.
Vocês, que há 27 anos não conseguem me amar, espero que um dia me perdoem por eu ter ocupado em zelo, préstimo, risadas, quase todos os minutos dos seus dias e dos seus pensamentos que vocês tentavam preencher de mim e não conseguiam de tão lotados que já estavam de mim mesma.
Por eu ter sido dessa extrema devoção sem conseguir ser pequena nem por um instante, por eu ter me dobrado em súplicas por esse amor que vocês não conseguiram me dar, mas sem que de fato me diminuísse, sem que eu pudesse ser, nem por um segundo, realmente frágil. E por isso o meu amor tenha sido assim incompreensível, e impossível de se responder.
Espero que vocês me perdoem porque eu fui sempre tão gigante e descontrolada que deformei todos os meus espelhos. E depois de tanto tempo sem saber ser nem sequer um instante de ausência, eu tenha ido embora sem reparar no silêncio que eu deixei no meu lugar, no tempo que depois talvez vocês tenham passado gritando, e girando e escorrendo por caminhos que eu já não andava, eu espero que vocês tenham me perdoado, e algum dia, quem sabe depois de algum tempo, tenham, sozinhos, loucamente me amado.