A cada
três minutos o telefone toca em todas as salas e eu me pergunto se alguém de
fato atende. A funcionária disse pra ficar tranquila que não é pra eu
atender, mas quem é que fica tranquilo com uma coisa dessas.
Os casais
nas mesas ao lado -- mesas da repartição, não são mesas de bar, café ou
restaurante -- discutem os detalhes do divórcio. A criança Joyce-Silva-de-Souza
se distrai com o grampeador e o senhor Jose-Olímpio-Souza diz para a ex-mulher
que ele não tem dinheiro para a pensão da menina. Nem nunca terá, Joyce não
precisa de muita coisa.
Preencho
o formulário e penso como as coisas deviam ser quando fizeram a
Joyce-Silva-de-Souza, e tenho raiva porque as pessoas transam todas iguais, mas
às vezes tenho raiva porque na verdade fazem todas muito diferente. Cansei de
estranhar as pessoas, e também de estranhar esse lugar.
O
telefone de novo bem alto e na mesa ao lado o homem diz que a culpa é dela que
sempre mentia e eu quero dizer que não interessa de quem é a culpa porque a
culpa é dos dois que estão aqui atrasando o almoço de todo o mundo, Lindinha, devolve
esse grampeador pra mim, por favor!
Os casais
nas mesas ao lado -- e dessa vez são sim mesas de restaurante -- discutem os
detalhes do divórcio embora talvez não percebam que é isso que estão fazendo,
as mulheres se distraindo com o guardanapo. Eu me preocupo com a saúde das
pessoas porque quero que vivam até os 90 anos pra ficarem mais tempo comigo mas
elas não sabem nem se querem ficar comigo até o mês que vem. A maioria não
quer.
Joyce
ainda se distrai com o grampeador enquanto distribuo seus finais de semana e sua mãe talvez se distraia pensando que se sentirá sozinha.
Os vovôs
e as vovós são quase todos juntos e nunca discutiram o divórcio, os vovôs desde
meninos aprenderam a enganar as vovós, e as avós a torcer e esperar pelo
encanto e bênção de não serem enganadas e agora que a gente aprendeu a não
esperar e aprendeu também a discutir os detalhes do divórcio, agora quem será
que a gente vai enganar? O telefone mais uma vez e não acho o carimbo no meio
desses papéis, MENINA me dá AGORA esse grampeador!
Se todas
as manhãs nas mesas dessa repartição há tantos casais discutindo os detalhes do
divórcio e da pensão feito uma igreja maldita a separar até que a morte una, a
apaziguar o que Deus juntou nesse sacrossanto descuido milenar, do que é que
gente vai falar nas mesas dos restaurantes, quem é, meu Deus, que a gente vai enganar?
Os
telefones não param de tocar em todas as mesas, e não é da repartição, são as
mesas dos restaurantes, enquanto os casais discutem os detalhes do divórcio sem
perceber que é isso que estão fazendo, e a criança de vestido florido não
quis terminar o frango e está se distraindo com a faca.
(personagens, repartição e pessimismo totalmente fictícios)