O que será que dá nos móveis que
se eletrizam, repelem, que será que dá nas paredes que se engrossam e apertam,
justamente quando a casa está tão linda. Quando tudo é bonito, nas cores
certas, nos silêncios adequados, o que será que dá nas janelas que enquadram vertiginosamente
as ruas como se lá fora estivessem todos os melhores caminhos.
Quando os espelhos sintonizam os
abraços mais naturais, depois do café da manhã, os abajures na parceria das
leituras, das refeições, que será que dá no armário que começa aos poucos a
cuspir as roupas, amontoá-las no seu desejo secreto de mala, o que há nos
casacos que se dobram imperscrutáveis na melancolia das gavetas de alfazema e
camomila rosa. Quando toda a casa dança nas melhores músicas, descansa serena
nos mais impecáveis lençóis, o que é que dá na cama que endurece, congela,
expulsa noite a noite quem já nem dorme nem sonha.
O que será que dá em nós que não
há dentro nem fora que acolha, não há haste que sustente o fardo imenso da
bandeira branca. E o que será que dá no baque da porta que derruba os quadros,
desfigura os quartos, paredes, descasca a tinta, trinca as janelas, e já não se
pode voltar, mesmo que tenha sido só um passeio noturno de gata assustada, já não
há lençóis, nem música, já nem há mais casa pra voltar.