sábado, 4 de julho de 2009

Para falar em cima de uma mesa qualquer


A gente marca a passagem do tempo traçando a altura da criança no batente da porta e vendo fotografia, mas hoje eu vi o tempo estampado, carpido na minha cara-de-pau. É isso que mostra a idade, a indiferença às situações tão desafiadoras da infância.

Eu queria que o pizzaiolo me desse um tantinho de massa pra brincar na mesa. Ele sempre dava, era só pedir, mas eu importunava a minha mãe até que ela mesma fosse até ele e entregasse na minha mão o montinho cheirando a ovo com farinha.

Com 14 anos eu morria de vergonha de comprar os bonequinhos coloridos de açúcar, Ai, moço, não sei, acho que ele gosta do Bob Esponja... desse peixe também, isso, o Nemo, pode colocar dois Nemos e um desse cachorro, ele adora cachorrinho. Com 16, ganhei um celular, e a conversa absurda já começava na fila, Lindinho, acho que hoje não tem do Barney, não serve um palhacinho? Você disse que os de cor forte são mais gostosos, não são? então!

Entrar na farmácia para comprar camisinha era uma missão coletiva, chamava as amigas para que a conversa ficasse mais rica em detalhes: um irmão folgado que talvez tivesse encomendado um pacote de preservativos. Umas lixas de unha, xampu e um desodorante pra disfarçar, É só ele ouvir que estou vindo na farmácia que já vem pedir favor. A mera idéia de que o caixa pudesse me imaginar transando tornava a compra insuportável, se tivesse troco, então! Com certeza ele aproveitaria pra subir os olhos da minha cintura até a minha boca, sempre esse, o trajeto. Mais tarde, o que me perturbava era a idéia de que o caixa achasse que eu poderia eventualmente estar constrangida.

O tempo passou tirando uma a uma minhas vergonhas graciosas, enchendo de pragmatismo minha rápida passada na farmácia, quarenta e cinco centavos para facilitar o troco. Não deixei de comprar bonequinhos coloridos de açúcar, mas a moça já sabe que quero os de cores fortes, Esse vermelho daqui, o jacaré, o ursinho, ah não é ursinho? isso, o sapo. Não percebo os pensamentos dos outros, o tempo apagou o riso perverso e o lúdico que eu via no rosto de todo o mundo. Hoje o meu cheiro depende do que está no mostruário de perfumes da Onofre – se algum vendedor me oferece ajuda digo que vou espirrar no pescoço pra depois ver se meu namorado gosta, Quanto custa esse mesmo? O tempo que me tirou o frio na barriga e me encheu de apatia e pressa.

Mas agora, quando me imaginei subindo aqui e dizendo o que quer que fosse pra vocês, percebi que o tempo não me deixou, e talvez nunca vá me deixar imune a esse tipo de vertigem. Pânico só de pensar no olhar de vocês, na maneira como os pés se voltam um para o outro, ou como a minha barriga marca o elástico da calcinha quando eu respiro, desespero imaginando que iam rir de mim quando eu não soubesse onde pôr as mãos.

Algumas situações ainda fazem a gente se sentir uma adolescente comprando camisinhas.

4 comentários:

Anônimo disse...

Mari,é muito bom ler seu blog,me inspira!

Anônimo disse...

Me lembrou a primeira vez que eu fui no gineco. Morri de medo dele achar que eu pudesse ficar constrangida,então entrei no consultório e arranquei a blusa e o "mini sutiã" de cara antes dele falar qualquer coisa haha só pra mostrar que eu não tinha vergonha hehe e ele logo disse: "não precisa tirar o sutiã,alias,pode por a blusa tb..hehe" - eu tinha só 11 anos, mas queria mostrar que não era envergonhada e que nao me sentia constrangida no gineco.

ps: as vezes eu escrevo essas coisas da minha vidano seu bog pq acho que vc escreve tão melhor do que eu hehe que pode usar essas infos em algum livro novo haha!

Unknown disse...

Hehe. Adorei o texto, Mari!
Quando eu fui comprar, pela primeira vez, camisinha e ky (=P), à meia-noite, numa farmácia da Augusta (=P 2), desvirei Luiz e virei um tomatão. E não dava pra suavizar com desodorante, sabonete, quem sabe até uma barrinha de cereal, afinal, não ia colar, diante das circunstâncias de tempo-espaço.

Luara Quaresma disse...

Voce escreve mt bem!