segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Estado de Sítio



Estado de Sítio

Uma casa pequena e os oito ali contentes, cada vez um era a Branca de Neve varrendo lavando servindo os sete anõezinhos bêbados com barrigas doendo de rir de piada, de alegria, de bobos. Vontade de cerrar os portões e as estradas e nunca mais sair do meio do bosque com as criaturas fantásticas entre as árvores, águas, teias de aranha.
A sala e o tapete que tinham cheiro de mato e foram ganhando perfumes, álcool, brigadeiro e tabaco – o cheiro de férias impregnado nas roupas, e as cinzas acidentais entre as páginas do livro. Esconderijos molhados no barro das moitas, atrás do carro, da geladeira, o vento frio de infância e na verdade sete anões gigantes e uma branca de neve qualquer desprezando a maçã e molhando a saia amarela rolando bêbada na grama.
A casa pequena e o relógio guardado festejando a virada do ano no tempo de cada um, no tempo do forno controlado ao acaso pelo tempo do estômago. O tempo dos passarinhos que acordam todos juntos. O som do champanhe estourando no escuro, velas e os votos para um ano que nasce mimado em berço de loucos e engatinha febril e sabe-se lá aonde vai se não ficar ali quietinho quente entre os cobertores e pernas, dormindo com o barulho dos grilos.
As risadas ainda no fundo do ouvido e estou de volta à cidade de repente e a segunda-feira doendo como nunca doeu. A segunda-feira uma garganta inflamada escancarada me engolindo, mostrando a língua numa zombaria infantil, vomitando suas incertezas sem pássaros, grilos, risadas.
Fecho a porta de casa, completamente sozinha, e nunca o silêncio urbano trouxe tanta solidão. O ano letivo – esse macarrão insosso – deitado imóvel e pegajoso na minha cama, empoeirado na pilha de papéis que resistiram ao ano passado. Dois mil e nove desmaiado nas obrigações todas tão desprezíveis que se eu fechasse os olhos e dormisse por um ano – um dia um príncipe e um beijo pueril na boca e uma viagem no lombo do cavalo e o happy-ever-after –, se eu dormisse assim aqui, sozinha embaixo da cama, até o final do ano, o mundo continuaria exatamente igual. A segunda-feira, minhas obrigações desprezíveis, a casa pequena do sítio vazia e escura, e a minha mala aberta com as roupas cheirando a cinzeiro, vinho e chocolate.

2 comentários:

lucas fábio disse...

demais, meu amor. prendi a respiração em todo o final sem perceber... acho que essa figura fica melhor assim, mesmo.

Anônimo disse...

Nossa, adorei esse texto, cota...
adoro quando vc escreve assim..
beijao