domingo, 5 de maio de 2013

Casa do Amor III




O que será que dá nos móveis que se eletrizam, repelem, que será que dá nas paredes que se engrossam e apertam, justamente quando a casa está tão linda. Quando tudo é bonito, nas cores certas, nos silêncios adequados, o que será que dá nas janelas que enquadram vertiginosamente as ruas como se lá fora estivessem todos os melhores caminhos.
Quando os espelhos sintonizam os abraços mais naturais, depois do café da manhã, os abajures na parceria das leituras, das refeições, que será que dá no armário que começa aos poucos a cuspir as roupas, amontoá-las no seu desejo secreto de mala, o que há nos casacos que se dobram imperscrutáveis na melancolia das gavetas de alfazema e camomila rosa. Quando toda a casa dança nas melhores músicas, descansa serena nos mais impecáveis lençóis, o que é que dá na cama que endurece, congela, expulsa noite a noite quem já nem dorme nem sonha.
O que será que dá em nós que não há dentro nem fora que acolha, não há haste que sustente o fardo imenso da bandeira branca. E o que será que dá no baque da porta que derruba os quadros, desfigura os quartos, paredes, descasca a tinta, trinca as janelas, e já não se pode voltar, mesmo que tenha sido só um passeio noturno de gata assustada, já não há lençóis, nem música, já nem há mais casa pra voltar.